11.3.07

Uma reforma para seis problemas

O Governo apresentou as linhas gerais de uma reforma do sistema de segurança interna e, em particular da GNR e da PSP, que desenvolverá ao longo dos próximos meses, procurando um amplo consenso político, que as questões de segurança requerem e a consolidação das medidas exige. Trata-se de uma reforma que pretende responder a seis problemas centrais do nosso sistema de segurança interna, que importa explicitar para a sua boa compreensão.
  1. Primeiro: a desactualização do nosso conceito de segurança interna. A Lei de Segurança Interna tem mais de 20 anos, é fruto de uma conjuntura ultrapassada, marcada pela guerra fria e o terrorismo de matriz ideológica. O mundo mudou e com ele as ameaças. Necessitamos de um novo conceito estratégico de segurança interna, adequado ao nosso ciclo histórico, que actualize o quadro de ameaças e riscos, que estruture um sistema integrado de segurança capaz de articular de forma dinâmica e variável um conjunto diversificado de agentes consoante a natureza da ameaça. Da ameaça do terrorismo global às ameaças à saúde pública ou ao ambiente. Até Junho dará entrada na Assembleia da República uma proposta de nova lei de segurança interna.
  2. Segundo: o reconhecido défice de coordenação. Temos e devemos manter um sistema plural de forças e serviços. Uma força de segurança de natureza civil e outra de natureza militar. Uma polícia judiciária centrada na criminalidade complexa, organizada e transnacional. Um serviço especializado em imigração e fronteiras. A nossa posição geográfica, a evolução da criminalidade e a necessidade de termos uma cobertura militar do território justificam-no. Mas as potencialidades deste sistema plural só se confirmam se assegurarmos uma coordenação eficaz entre estas forças e serviços.A pedra angular da reforma é, precisamente, a criação de um Sistema Integrado de Segurança Interna, liderado por um secretário-geral, com estatuto equiparado a secretário de Estado e na dependência do primeiro- -ministro, com competência para os coordenar, proporcionar serviços comuns, garantir a interoperabilidade dos sistemas e articular com outros sistemas, como a protecção e socorro ou a defesa nacional. Mas também capaz de, em circunstâncias excepcionais, como um terramoto ou um ataque terrorista em larga escala, poder assumir funções de comando e controlo das operações, que necessariamente mobilizarão forças e serviços tão diversificados, da emergência médica à manutenção da ordem pública.
  3. Terceiro: melhorar a articulação entre a GNR e a PSP, sem prejuízo da sua natureza própria, é condição de sucesso das políticas de segurança. A reforma orgânica do MAI vem permitir criar instrumentos de planeamento estratégico e de gestão por objectivos comuns, a existência de serviços partilhados, nas relações internacionais, obras ou compras. Impõe-se a introdução de momentos de formação comuns e a eliminação de situações de sobreposição de jurisdições, reduzindo drasticamente o número de freguesias partilhadas e acabando com situações de descontinuidade territorial nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
  4. Quarto: a necessidade de racionalizar meios e procedimentos. É o que permitirá reforçar a visibilidade e a proximidade do policiamento, reorientando 4800 efectivos para o dispositivo territorial e libertando mais 1800 para funções operacionais, cujos postos de trabalho serão preenchidos por funcionários oriundos do processo de mobilidade.A unificação das unidades especiais e do comando regional dos Açores ou o início da descentralização para os municípios das competências de trânsito da PSP, e a profunda intervenção na estrutura da GNR, da reestru- turação do seu Comando Geral à extinção da Brigada de Trânsito, concretizam este esforço na dimensão orgânica, que tem de ser prosseguido na optimização de procedimentos e no ajustamento do dispositivo.
  5. Quinto: conseguir a melhoria dos meios e das condições de trabalho nas forças. Passa a ser exigido para o ingresso na GNR, como já sucede na PSP, o 11.º ano de escolaridade, e os cursos para agente e guarda serão certificados junto do Ministério da Educação como equivalentes ao 12.º ano. Será criado um quadro próprio de oficiais generais na Guarda e será estabelecido um horário de referência, sem prejuízo da disponibilidade permanente para o serviço. No próximo mês dará entrada na Assembleia da República a proposta da Primeira Lei de Programação de Instalações e Equipamentos das Forças de Segurança, que permita planear de modo coerente e consistente, num ciclo de cinco anos (2008-2013), os investimentos em instalações, viaturas, novas tecnologias, armamento e outros equipamentos, num montante global de 427 milhões de euros.
  6. Sexto: garantir este reforço do investimento sem aumentar o défice. O investimento proposto corresponde a um investimento médio de 80 milhões de euros por ano, ou seja, mais do dobro do investimento orçamentado para o corrente ano de 2007 (38 milhões de euros). Este reforço tão significativo é essencialmente suportado com duas medidas : alienação das instalações libertadas pela reforma e a poupança resultante de não termos novas admissões de agentes e guardas em 2008 e 2009, o que é possível pelo facto de a reorientação de efectivos (6600) compensar os 2500 que deixarão o serviço activo neste período.Esta é, em suma, uma reforma coerentemente orientada para a resolução destes seis problemas centrais. O esforço de concretização é muito exigente. Mas é um esforço essencial, para melhorarmos a qualidade do sistema e do seu desempenho, certos que devemos estar de que não será o imobilismo que nos garantirá duradouramente os níveis de segurança que temos mantido.
António Costa (MAI)
http://dn.sapo.pt/2007/03/11/opiniao/uma_reforma_para_seis_problemas.html

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