A carta do almirante Mendes Cabeçadas ao ministro Severiano Teixeira, a que a agência Lusa teve acesso, foi enviada no dia 9 de Novembro e resume as preocupações manifestadas pelos quatro chefes de Estado-Maior, na reunião que teve lugar a 26 de Outubro.
Nessa reunião, o Conselho dos Chefes de Estado-Maior analisou os efeitos possíveis das medidas restritivas preconizadas para os militares, num contexto em que «os direitos garantidos aos militares por leis estatutárias de valor reforçado estão já a ser fortemente constrangidos», refere a carta.O Conselho de Chefes de Estado-Maior analisou, nomeadamente, o novo regime de descontos dos subsistemas de saúde «que agrava os regimes estabelecidos há menos de um ano» e a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e congelamento de todos os suplementos remuneratórios.Também foram discutidas as condições de aposentação e a interpretação que a Caixa Geral de Aposentações faz para o cálculo das pensões de reforma, que, segundo as chefias militares, viola a lei.
Os chefes militares realçam ainda que «as medidas restritivas» que o Governo quer impor neste sector «partem do falso pressuposto de os militares se encontrarem em igualdade de condições com os funcionários civis e de as Forças Armadas estarem em idêntico plano funcional ao dos restantes serviços da Administração Pública», lê-se na carta.
O CEMGFA adverte que «entre os militares e os funcionários civis não existe identidade alguma», exceptuando o facto de serem todos servidores do mesmo Estado. Esta equiparação pode mesmo contribuir «para que sejam minados os fundamentos éticos dos deveres militares».«A condição militar», escreve Mendes Cabeçadas, «traduz-se num complexo de deveres e direitos interligados numa simbiose indissociável».
A carta do CEMGFA enumera algumas das especificidades da condição militar que «não têm qualquer correspondência no âmbito da Administração Pública civil»: deveres de isenção política, partidária e sindical; ausência de direito à greve; restrições a direitos de reunião, manifestação, associação, petição colectiva, liberdade de expressão e capacidade eleitoral passiva.Além destas limitações, refere a carta, a condição militar implica a «permanente disponibilidade para lutar em defesa da Pátria, se necessário com o sacrifício da vida», bem como a «sujeição a um duro regime disciplinar, com penas privativas da liberdade», entre outras.
Os chefes militares, através da carta de Mendes Cabeçadas a Severiano Teixeira, lembram que é a própria lei que estabelece a «consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da segurança social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação».Por isso, escreve o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, «não se afigura sustentável, com o atractível argumento da igualdade de sacrifícios exigidos a todos os cidadãos, cercear os escassos benefícios concedidos aos militares».
Mendes Cabeçadas lembra que já em Março alertara o ministro «para o clima de insatisfação e mesmo de frustração que se estava a gerar no meio militar, não se dispensando as chefias militares de esforços para minimizar o impacto negativo desses sentimentos e conter quaisquer medidas contestatárias».
Em parágrafo final manuscrito, Mendes Cabeçadas invoca o «indeclinável dever de lealdade» para sugerir uma reflexão do ministro «no sentido de evitar as graves consequências que se antevêem e que, em última análise, irão afectar o pilar essencial da segurança e defesa nacional que são as Forças Armadas».