O Governo quer limitar a atribuição de suplementos remuneratórios a situações "anormais ou transitórias". Na proposta de princípios basilares da reforma das carreiras, vínculos e remunerações apresentada aos sindicatos anteontem, o Ministério das Finanças assume que "deve eliminar-se a natureza automática e permanente de quaisquer suplementos remuneratórios".
Actualmente a esmagadora maioria dos suplementos é atribuído de forma permanente, sem ligação directa às funções efectivamente desempenhadas pelos trabalhadores. Segundo o relatório elabo- rado pela comissão presidida por Luís Fábrica, os suplementos representam, em média, 10% das remunerações certas e permanentes e, em alguns ministérios, ultrapassam os 20%, chegando mesmo a atingir, no caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, os 48%. Conforme sustenta o Governo, a eliminação do carácter automático destas prestações acessórias baseia-se no pressuposto de que "complexos funcionais específicos se encontram remuneratoriamente reconhecidos na respectiva remuneração base". Assim, adianta o documento, "seguir-se-á o princípio de limitação por forma a que só existam quando os trabalhadores em certos postos de trabalho tenham condições de trabalho anormais e transitórias e apenas enquanto tais condições perdurarem".
O Governo admite apenas manter a natureza permanente dos suplementos para os trabalhadores que tenham, nos postos de trabalho que ocupam, condições de trabalho permanentes que outros trabalhadores da mesma carreira, categoria ou área funcional, colocados em diferentes postos de trabalho, não são obrigados a enfrentar". Este princípio, em si, não deverá suscitar grande oposição da parte dos sindicatos. A coordenadora da Frente Comum, que geralmente assume as posições mais antagónicas face às do Governo, admite a solução, desde que os suplementos actuais sejam integrados na remuneração certa e permanente. "O Governo deveria integrar os suplementos na remuneração. Veja-se o caso dos polícias, cujas remunerações base são muito baixas, e apenas os suplementos permitem que recebam valores minimamente decentes."Porém é quase certo que o Governo pretende eliminar uma parte destes suplementos, cujos fundamentos não se verifiquem no dia-a-dia do funcionários.
Daqui resultará uma inevitável redução salarial que ameaça abrir novas frentes de batalha com os sindicatos, designadamente os de vertente profissional. Além do Ministério dos Negócios Estrangeiros, destacam-se a Administração Interna, as Finanças, a Defesa e a Justiça, onde os suplementos representam mais de 20% das remunerações certas e permanentes. Os suplementos assumem diversas formas, sendo as mais comuns os prémios pecuniários, as ajudas de custo, as horas extraordinárias e ainda outros tipos de abonos numerários ou em espécie. O documento apresentado agora pelo secretário de Estado da Administração Pública, João Figueiredo, visa estabelecer os princípios fundamentais desta reforma. São sete páginas com 59 pontos distintos, divididos entre três áreas fundamentais: sistema de vinculação (natureza jurídica do contrato), carreiras (tipologias e forma de progressão) e remunerações (componentes salariais e correspondência às carreiras).
A proposta apresentada anteontem pelo Governo vem confirmar a intenção do Governo em generalizar o regime de direito privado na administração pública, com aplicação já nos contratos actuais. O documento vai mesmo mais longe ao referir-se à consagração de duas formas de cessação do contrato de vínculo público: "por mútuo acordo, mediante pagamento de indemnização", tal como está previsto no regime de mobilidade, e "por violação de deveres funcionais, verificada por procedimento disciplinar". O documento estabelece ainda que a progressão por mérito nas carreiras, mesmo estando já sujeita a quotas, será condicionada pelas disponibilidades orçamentais dos serviços e do Orçamento do Estado.
Sérgio Aníbal DN ONLine de 26/01/06