30.12.06

Excerto da entrevista ao Ministro da Administração Interna - Dr António Costa à Revista Visão

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O Governo reflectiu sobre esta contestação?

É evidente. Este Governo não é autista. Nós não podemos ser indiferentes à existência de manifestações. Mas tenho verificado que as pessoas vão compreendendo as medidas do Governo. E não podemos confundir aquelas pessoas que se manifestam, com aquilo que é o interesse geral do País. Logo a seguir à minha posse, tive, aqui à porta do ministério, duas manifestações com mais de 5 mil elementos da PSP e da GNR a protestar contra a alteração dos regimes de saúde e da idade de aposentação. Passado ano e meio, é algo que está superado, ultrapassado, e já começamos a ter benefícios claros em matéria de redução de custos. Essas melhorias de poupança estão a ser canalizadas para um reforço do investimento nas forças de segurança. As pessoas percebem isto.

Admite que haja uma instância global de coordenação das várias polícias?

É uma das hipóteses possíveis. Não vou pronunciar-me sobre o modelo do meu coração, sem conhecer as conclusões definitivas do estudo que encomendámos. Não posso excluir, à partida que o grupo de trabalho encontre uma solução que supere as desvantagens dos modelos conhecidos.

Vai acabar com as brigadas territoriais?

O estudo da Accenture aponta nesse sentido: a extinção das unidades especiais fiscal e de trânsito da GNR, enquanto brigadas, e das brigadas territoriais. Estamos a apreciar o estudo e a ouvir as opiniões do Comando Geral da Guarda, da direcção da PSP e das estruturas sindicais. Gostaríamos de tomar decisões, no inicio de 2007. Mas é algo que está dependente da prévia definição do modelo de segurança interna. Não faz sentido antecipar uma decisão a outra.

Não se irritou por os generais terem divulgado, já, a sua opinião contrária a essa medida?

Não me irritou nada. Mas não tenho a certeza de que o tenham feito. Pelo menos, não recebi nenhum documento dos generais. Tenho um, entregue há duas ou três semanas, mas é um documento individual do comandante-geral da GNR. Se há um documento dos generais, não é do conhecimento do ministro da Administração Interna.

Vai fundir postos da GNR?

Em início de 2007, vamos tomar essas decisões. É indiscutível que a rede de postos está desajustada da realidade do País.

O actual rácio polícia-cidadão é razoável?

Em termos europeus, estamos acima da média. Mas grande parte dos nossos polícias e membros da Guarda estão afectos a funções administrativas. Aí, o rácio é diferente. A solução passa por libertá-los das funções administrativas.

É o que todos os governos têm dito...

Tenho a esperança de que o PRACE liberte efectivos da Função Pública, excedentários nos serviços onde estão, em número suficiente para preencher esses cerca de 4 mil postos de trabalho que, estimamos, existem na PSP e na GNR.

Considera normal que, em quatro anos, as polícias portuguesas tenham disparado 6 667 tiros e que daí tenham resultado 18 mortos e 140 feridos?

Isso revela várias coisas... Em primeiro lugar, ao contrário do que se tem dito, a polícia não tem por norma disparar. São raríssimos esses casos.

Mais de três tiros por dia...

Só detenções em flagrante delito, pela GNR, temos mais de 4 mil por ano. Num total de 16 mil detenções em flagrante delito, só em 500 casos é que a GNR se viu forçada a recorrer à arma de fogo. Esta é a ocorrência com maior risco de confrontação física. É raro a polícia disparar.

Mas disparam mais que as suas congéneres francesa e alemã, por exemplo...

... Em segundo lugar, ainda mais raro, é que existam danos físicos. E, mais raro ainda, que ocorram mortes. Tem-se verificado uma evolução interessante. Na PSP, todos os anos, há um menor recurso às armas de fogo, menor número de disparos e menor número de efeitos danosos. O inverso tem-se verificado na GNR. Isso resulta do tipo de criminalidade mais violenta, que era tipicamente urbana, ter-se vindo a alastrar às áreas da GNR. Desde 1999, por despacho do então ministro Jorge Coelho, cada vez que há um disparo das forças de segurança é obrigatória a abertura de um inquérito, por parte da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI). São raríssimos os casos, felizmente, em que se tem verificado o uso ilegítimo da arma de fogo. E, nesses casos, tem sido exercida acção disciplinar. Nos últimos meses, houve vários casos estranhos... E não respondeu à pergunta sobre a comparação do uso de armas de fogo em Portugal com o que se verifica noutros países europeus, maiores e com mais problemas de segurança.

Não tenho aqui esses números para fazer a comparação. Mas com base na coincidência de, numa semana, ter havido dois disparos, não se pode construir uma doutrina. A realidade desmente esse «padrão». Os números não enganam.

Um alto dirigente da GNR, Mourato Cabrita, declarou, a esse propósito, que um polícia fardado não pode permitir que a sua autoridade seja posta em causa, porque, então, estaria em causa a autoridade do Estado.

Foi o segundo comandante. Presumo que se tenha expressado mal. Ou que tenha sido mal interpretado. Obviamente, não se recorre à arma de fogo para afirmar autoridade. A lei é muito clara quanto a isso, e, nas situações em que se pode usar armas, não existe afirmação da autoridade.

Como viu as críticas do inspector-geral da Administração Interna, Clemente Lima, a este respeito?

Leio o inspector-geral quando ele me manda processos para despachar. Em regra, tenho acompanhado as propostas da IGAI. Num caso, devolvi um processo em que a pena proposta me parecia insuficiente. Noutro caso, devolvi, porque a pena me parecia excessiva.

Mas o inspector-geral criticou-o, directamente a si, por ter juntado, numa mesma declaração pública, o tema dos disparos de polícias com o das mortes de polícias em serviço.

Não interpretei nada do que o senhor inspector-geral disse como uma crítica que me fosse dirigida. Nem ele o teria feito, decerto, porque em nenhuma frase juntei essas duas matérias.

Não juntou?

Não. Toda a vida a humana é merecedora da maior consideração. Seja a do agente da autoridade, seja a daquele que atenta contra o agente.

A actuação das forças tem muito a ver com a mensagem política dos ministros...

E acha que eu sou um cowboy que diz «disparem primeiro e perguntem depois»?

Queria perguntar-lhe o que considera mais importante: liberdade ou segurança?

São valores indissociáveis. Não há liberdade sem segurança, nem o contrário. Tenho visto, com alguma perplexidade, alguma esquerda festiva querer manter algum complexo sobre a segurança. Há coisas básicas na Governação do Estado que não são de esquerda nem de direita. Garantir a segurança é uma obrigação básica do Estado e, como tal, deve ser assegurada por governos de esquerda ou de direita. Seria, aliás, uma desqualificação para a esquerda, se esta entendesse que não devia ser sua prioridade garantir a segurança. Até porque, em regra, as maiores vítimas da insegurança são os mais desfavorecidos. Mais, num Estado de Direito democrático as forças de segurança não são uma ameaça à liberdade. São os primeiros garantes dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Não é estranho que tenha mandado abrir um processo disciplinar contra o tenente que denunciou alegadas irregularidades na GNR?

Segui a sugestão que me foi feita pela IGAI, da instauração de um processo disciplinar, com base em indícios do envolvimento desse oficial na divulgação da notícia através da comunicação social, o que não é uma forma adequada de denunciar irregularidades. E mais: pôs mesmo em risco a integridade da prova e o sucesso da investigação.

E o processo principal ainda decorre?

A IGAI detectou indícios em relação a ilegalidades cometidas por dois oficiais superiores. E tive o cuidado de fazer dois despachos separados, para que não haja qualquer confusão entre as matérias de relevância respectivamente disciplinar e criminal relativas aos oficiais superiores. O processo contra o tenente em causa tem apenas relevância disciplinar.

Não pode ser moralmente aceitável que um oficial, desconfiando da cadeia de comando e temendo represálias, denuncie um caso de alegada corrupção, através dos media?

As instituições têm regras. Quem detecta uma ilegalidade tem a obrigação de a denunciar através dos canais próprios. Não foi detectado qualquer indício de que fossem necessários meios impróprios para superar a inacção da cadeia de comando. Não posso aceitar que cada um substitua a sua cadeia de comando pela justiça popular, através dos media. Isso não é uma forma de gerir instituições. E acho inadmissível esse tipo de desconfiança. Foi determinada a suspensão disciplinar de um dos elementos de maior nível hierárquico da PSP, com base em inquérito conduzido pela IGAI, e sem que, para isso, tenha sido necessário convocar a comunicação social.


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